O Senhor Rodrigues e a sua Mulher viveram toda a sua vida activa numa remota ilha dos Açores, onde nasceram. Funcionários do estado, alimentaram durante décadas um secreto projecto para a sua reforma. No dia 1 Janeiro de 2003 reformaram-se ambos. Precisamente no mesmo dia, porque assim constava do projecto. Nesse mesmo dia juntaram os seus três filhos e 10 netos para jantar em sua casa e anunciaram que iriam partir para Lisboa no dia seguinte para procurarem a sua futura casa, onde pretendiam viver o resto dos seus dias. Só voltariam à ilha durante as festas de Agosto, uma semana por ano. No dia seguinte lá estavam os dois às 16:30 numa agência imobiliária do Rossio, com entrevista previamente marcada há um ano atrás. Os requisitos eram muito simples. Da sua nova casa tinha de se ver gente, muita gente... O agente imobiliário, não encontrando nas suas minutas mentais uma resposta formatada, pediu mais esclarecimentos... A casa não tinha de ser espaçosa, bonita ou particularmente arejada. Precisavam de um quarto e de uma sala. A sala teria de ter uma portada que se abrisse sobre uma rua e nessa rua tinha de haver gente, muita gente.... Gente que passasse a caminho do trabalho, gente ocupada com a sua vida, muita gente... O agente registou o pedido no seu formulário electrónico. No campo das características do imóvel escreveu "em rua com muita gente".
Encontrei o Senhor Rodrigues um dia no Rossio, perguntei-lhe pelos Açores. Desviou a conversa e começou a descrever a sua nova casa em Lisboa. Encontrou-a na Baixa, numa das ruas mais movimentadas. "Tem uma sala maravilhosa, com portadas viradas para a rua. Todos os dias às 7:30 abrimos as portas e sentamo-nos os dois a olhar a gente que passa na rua. Às 9:30 fechamos as portas porque já passa pouca gente. Durante o dia venho muito aqui ao Rossio. Há um café perto da minha rua mas não tem muita gente sabe.... Aqui os cafés são magníficos, transbordam de pessoas. Sento-me aqui horas e horas a ler o jornal e a sentir este movimento. Adoro isto. Em Agosto passado voltámos aos Açores mas tivemos uma problema logo à chegada. Ainda no aeroporto a minha Mulher sentiu falta de ar, julguei que sufocava. Fiquei muito aflito sabe? Durante as festas ela sentiu-se sempre muito mal... O que me valeu foram as tardes de ensaio da banda filarmónica, no coreto da praça. Íamos para lá e ela sentia-se melhor. Mas quando voltávamos para casa, não imagina... Eu tenho aquela varanda enorme virada ao Mar que o Senhor bem conhece, ela tentava ir para lá apanhar um pouco de sol mas depois faltava-lhe o ar outra vez. Tive de fechar a varanda..."
Voltaram a Lisboa na semana seguinte. Foram ao médico que lhe recomendou aulas de Pilates para relaxar. Ficaram de pensar no assunto e levaram um folheto para casa: "Relaxe com Pilates". O folheto mostrava foto de uma aula com uns 20 alunos sorridentes, com aquele efeito de espelhos que dá a ilusão de serem 200. Era essa mesma foto que o Senhor Rodrigues trazia no bolso e me mostrou naquele café do Rossio. "Estou muito esperançado nestas aulas. Repare só na quantidade de gente..."
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
. A Utilidade dos Maus Fíga...
. Crescer
. Munique Fora de Horas (II...
. poesia
. política
. religion
. science
. Os meus links
. Edge