Terça-feira, 7 de Novembro de 2006
E um dia antes de jantar disseste que querias visitar a tua casa pela última
vez. Ao chegares todos estavam já sentados e tu choraste, e todos choraram
contigo em silêncio. O último choro. Depois olhaste cada um serenamente para
que todos pudessem contemplar a tua morte nos teus olhos. Para que a vissem de
frente. Há quem procure um sentido durante toda a vida e tu encontraste-o ali,
naquela mesa, entre os teus irmãos, filhos e netos.
Na véspera pediste que matassem um dos teus porcos para que naquele dia o
pudesses oferecer a todos. As morcelas de arroz, o cozido, a farinheira. E
todos comeram contigo pela última vez. No fim do almoço levaram-te lentamente
para o sofa, e ali ficaste deitada toda a tarde, entre crianças a brincar,
futebol na televisão, visitas de última hora. Não podia faltar ninguém.
Esperaste pacientemente pelo último dos teus irmãos que chegou tarde.
Pegou-te na mão e assim ficou durante muito tempo. A segredar-te qualquer
coisa, a rir, a despedir-se de ti.
No dia em que morreste na tua cama, rodeada pelos teus filhos, deves ter pensado
como tudo valeu a pena. Morrer assim tão acompanhada, tão amada. Na vida e na
morte... Até que nos reencontremos contigo noutra esquina do Multiverso,
talvez naquele em que estaremos todos vivos para podermos saborear a tua sopa
mais uma vez. E na minha mente quântica posso operar esse milagre agora,
enquanto escrevo, não preciso de esperar por outra existência.
Falar contigo agora é também falar comigo.
Até sempre Matriarca.